Entrevista com Andrea Minardi
Formada em Engenharia de Produção na Poli USP, com mestrado e doutorado na EAESP-FGV em administração e especialização em Finanças, Andrea Minardi foi responsável por lançar, em 2005, a disciplina de Private Equity e Venture Capital para a graduação em Administração e Economia do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).
Desde então, acompanha a evolução do ecossistema empreendedor de maneira ativa, assumindo, inclusive a posição de membro do conselho Insper Angels, rede de investidores-anjos que tem como essência fomentar o empreendedorismo brasileiro, e membro do Executivos de Impacto, movimento que utiliza o poder do networking para gerar impacto social positivo.
Nesta entrevista, ela fala sobre a nova onda empreendedora, startups, o perfil empreendedor do futuro e o papel dessas estruturas nas iniciativas de impacto social.
Acompanhe na íntegra o bate-papo!
HOUSINGPACT - Como foi sua trajetória até chegar no seu atual relacionamento com empreendedorismo e negócios de impacto?
Andrea Minardi - Comecei a lecionar sobre finanças corporativas e investimentos financeiros em programas de pós-graduação e educação executiva na Insper, em 1996. Um pouco mais tarde, para graduação e mestrado também. Minha tese de mestrado foi sobre opções reais, uma técnica muito útil para avaliar investimentos com flexibilidades gerenciais em cenários de incerteza. Lancei cursos de curta duração e disciplinas eletivas de opções reais, pesquisei mais sobre o assunto e o Venture Capital, por ser um modelo com diversas opções reais, entrou em meu radar. Private Equity e Venture Capital são investidores ativos de longo prazo, que promovem inovação, ganho de eficiência e crescimento para empresas e, consequentemente, um impacto positivo grande na economia. É uma forma de investimento alternativo, com várias peculiaridades. Desde a primeira turma do curso de PE e VC tenho convidado profissionais do mercado para palestrar em meu curso, o que enriquece muito as discussões e o aprendizado da classe. Essa interação com a prática, aliada à participação em eventos e congressos e às pesquisas, permite que eu acompanhe a evolução do ecossistema empreendedor.
O mundo vive hoje uma onda empreendedora estruturada, empresas novas que nasceram nesse ambiente viraram potências econômicas. A que você confere esse sucesso?
Desde o lançamento do iphone temos presenciado a aceleração da transformação digital. São inúmeras inovações como blockchain e criptomoedas, computação em nuvem, big data, inteligência artificial, IoT, que colocam em xeque os modelos de negócios tradicionais. Essas tecnologias, somadas ao open source e às novas formas de captação de recursos, como ICOs e crowdfunding, barateiam o custo de empreender e aceleram o ritmo de inovações. Isso abre oportunidade para empreendedores criarem startups com modelos de negócios inovadores que substituem os modelos usuais, por serem mais eficientes e oferecerem produtos e serviços melhores e mais baratos que os oferecidos por empresas tradicionais. Por isso, mesmo quando há crise econômica, observamos um crescimento exponencial de algumas startups, que se transformam em grandes empresas em alguns poucos anos. Esses casos de sucesso criam um ciclo virtuoso: os altos retornos de investidores early-stage atraem mais capital para os novos empreendimentos; as startups que se tornaram grandes empresas tornam-se potenciais compradoras das novas empresas nascentes, dando mais liquidez e promovendo mais crescimento ao segmento; há multiplicação da quantidade de bons empreendedores, pois vários empreendedores bem sucedidos lançam novos empreendimentos, e vários dos talentos que trabalharam nas startups bem sucedidas lançam seus empreendimentos; há um aumento da mentoria, pois empreendedores bem sucedidos tornam-se mentores dos novos; há aumento do smart money, pois empreendedores bem sucedidos se tornam anjos e em muitos casos lançam novos fundos de venture capital.
O modelo de startups é uma das novidades dessa onda empreendedora. Nós sabemos que esse modelo de negócio é diferente do tradicional. Sob o aspecto empreendedor, o que muda?
Inovar exige experimentar e, consequentemente, trabalhar a tolerância ao erro, ou seja, a valorização do aprendizado com os erros e a necessidade de errar da forma mais rápida e mais barata possível. Esse é o ambiente do empreendedor, que testa modelos de negócios, e que tem a capacidade para pivotar rápido quando percebe que a aceitação do produto e mercado não se comportam conforme esperava. Os empreendedores têm flexibilidade para alterar rotas, resiliência para aguentar frustrações e persistir. Executivos de empresas consolidadas e tradicionais, por outro lado, tem foco no resultado, baixa tolerância a erro e falta de tempo e de incentivo para pensar fora da caixa e inovar.
Qual você diria que é a principal diferença do empreendedor de impacto e o tradicional?
O empreendedor de impacto funda uma startup que tem como finalidade resolver algum problema socioambiental (inclusão financeira; melhoria da educação, saúde ou moradia da população de baixa renda, regeneração de terras degradadas e integração florestal, lavoura e agropecuária, energia limpa e acessível etc.). Seu negócio tem um propósito, e muitas vezes se preocupa em comprovar o impacto socioambiental que sua empresa gerou. Há modelos de negócios que têm capacidade de gerar impacto e ao mesmo tempo trazer altos retornos, e outros que geram impacto, mas trazem retornos abaixo de mercado.
O negócio do empreendedor tradicional não tem como objetivo resolver um problema socioambiental. Entretanto, cada vez mais os empreendedores, mesmo os tradicionais, estão se conscientizando que precisam ter essa responsabilidade socioambiental. Precisam se preocupar com diversidade e inclusão de seu staff, em ter boa governança. Também precisam enxergar oportunidades para desenhar seus produtos e serviços pensando na redução de emissão de gases de efeito estufa e economia circular, segurança de dados, segurança e saúde de colaboradores das empresas clientes, por exemplo. O "como" entregar produtos e serviços passa a ser essencial – ou seja, gerar modelos lucrativos e sustentáveis.
Nessa explosão empreendedora, qual o papel das grandes empresas?
Atualmente, a inovação corporativa estratégica é essencial, pois as mudanças no ambiente de negócios forçam as empresas a transformar seu modelo de negócios de maneira contínua. Entretanto, com tantas inovações e transformações que ocorrem em ritmo acelerado, mesmo as empresas que têm pesquisa e desenvolvimento de qualidade, não conseguem acompanhar todas as novidades que surgem. Por isso, precisam desenvolver programas de open innovation e corporate venture capital para interagir com startups, aprender com elas, lançar novos negócios, aumentar a eficiência, atender melhor os clientes e aumentar sua sustentabilidade. Isso é excelente para o ecossistema empreendedor, pois gera vendas, parcerias e recursos para startups. Como várias empresas consolidadas estão investindo em transformar seu modelo de negócios em mais sustentáveis, podem financiar muitas vezes negócios de impacto que não tem retorno alto o suficiente para atrair investidores tradicionais como fundos de venture capital independentes. Embora a cultura empresarial tradicional muitas vezes tenha dificuldade em entender o ambiente empreendedor e existam atritos, a necessidade de inovar e se transformar tem trazido grande aprendizado às corporações na melhora da interação com startups, e como isso, aumenta-se cada vez mais o ganha-ganha.
Como esse movimento pode mudar a sociedade?
As inovações trazidas pela onda crescente empreendedora trazem inúmeros benefícios sócio ambientais para a sociedade e é a grande esperança para lidar com vários dos ODS (objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU) e conseguir transformar o mundo em carbono neutro até 2050, reduzindo o aumento da temperatura global.
Qual é o panorama do impacto e empreendedorismo de impacto na visão da academia?
O mundo tem se tornado cada vez mais consciente de seus desafios socioambientais e exigido responsabilidade social corporativa das empresas, que passam a se preocupar em criar valor não apenas para os acionistas, mas também para seus stakeholders como um todo. o Ambiente corporativo precisa enfrentar diversos desafios, como promover diversidade em seus quadros de funcionários, alta gerência e conselho, melhorar a saúde de seus colaboradores, reduzir as emissões de gases de efeito estufa, de dejetos de sua operação e de sua cadeia de valor, assim como eliminar desmatamento, trabalho escravo etc. É um momento de transformação radical dos modelos de negócios, processos, produtos e serviços oferecidos. Várias das soluções para os problemas ambientais e sociais exigem tecnologias inovadoras. Portanto, o momento atual é extremamente fértil para empreender, e isso deve persistir nas próximas décadas. Isso é discutido em inúmeros textos e livros, como por exemplo Reimaging Capitalism in a World of Fire, de Rebeca Henderson; Green Swans. The Coming Boom in Regenerative Capitalism, de John Elkington e Paul Polman.
Na sua visão, qual é a importância do trabalho colaborativo, em redes, para a solução de problemas complexos como a moradia, por exemplo?
O trabalho colaborativo e em rede é chave para a solução de problemas complexos, como o da moradia. É uma maneira de trabalhar por projetos, buscando soluções que resolvam problemas sócio ambientais de determinadas comunidades e, ao mesmo tempo, atendam às metas de sustentabilidade de empresas. Essa abordagem otimiza recursos, integra startups de maneira colaborativa e sinérgica, aumentando muito a eficácia na resolução de problemas complexos.
